O recuo do ex-juiz Sergio Moro em sua pré-candidatura à Presidência deixa um espólio eleitoral, especialmente na população de maior renda, cujos votos, embora cobiçados pela terceira via, podem reforçar a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT). Pesquisas recentes indicam que o eleitorado de Moro cresce à medida que aumenta a faixa de remuneração, numa dinâmica similar à de Bolsonaro, nome mais bem colocado hoje para um segundo turno contra Lula.
Moro registrou 8% de intenções de voto no levantamento divulgado pelo Datafolha em março. O ex-juiz, que decidiu ontem migrar do Podemos para o União Brasil e retirou sua pré-candidatura presidencial, chegava a quase o dobro, 15%, quando considerando somente o estrato mais rico, com remuneração mensal superior a dez salários mínimos. Este é o mesmo segmento em que Bolsonaro atingiu, segundo o Datafolha, sua maior vantagem para Lula, com 39% a 23% em favor do atual presidente. Nas intenções gerais, o petista marcou 43% dos votos, contra 26% para Bolsonaro.
Moro também crescia entre os empresários, com 12%. No grupo, Bolsonaro obteve 50% da preferência, segundo o Datafolha.
— A retirada do Moro sugere que ele fez uma leitura de que não estava conseguindo se viabilizar, o que mostra a fragilidade atual da terceira via. Lula, apesar de alguma modificação, mostra-se estabilizado. Bolsonaro cresceu, e deve ganhar mais terreno sem Moro e com a instabilidade de Doria — analisou o cientista político José Álvaro Moisés, professor da USP.
Na avaliação de Moisés, um eventual fortalecimento da candidatura de Bolsonaro, caso herde votos de Moro, pode “reafirmar a necessidade de uma ampla frente democrática” contra o atual presidente, o que pode se refletir no chamado “voto útil” pró-Lula. Para isso ocorrer, ele alerta que Lula precisaria de “sinais mais claros para atrair as forças do centro”, citando a escolha do ex-tucano Geraldo Alckmin como vice de “um primeiro passo” nesse sentido.
Além da similaridade entre Moro e Bolsonaro no recorte por renda, apontada pelo Datafolha, a última pesquisa eleitoral do Ipec, divulgada em dezembro, mostrou que 10% dos eleitores do atual presidente em 2018 passaram a declarar voto no ex-juiz. Em relação ao petista Fernando Haddad, que terminou atrás de Bolsonaro, a transferência era menor: apenas 3% dos que votaram no aliado de Lula na última eleição passaram a manifestar preferência por Moro.
Para especialistas, embora o eleitor de Moro apresente maior predisposição a optar por Bolsonaro do que por Lula no desenho atual, há também a possibilidade de que parte do espólio do ex-juiz abasteça uma candidatura de terceira via. Por ora, enquanto o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) permanece distante do eleitorado de Moro, por seus posicionamentos antagônicos ao ex-juiz, a tendência é que João Doria (PSDB) e Simone Tebet (MDB) façam acenos para este público.
— Doria pode herdar votos de eleitores de Moro mais associados ao antibolsonarismo, a exemplo dele, e que não migram para o Lula mais do que num nível residual. Com isso, ganha mais amplitude, auxiliado também pela carta do PSDB confirmando sua candidatura. Mas ele precisará mostrar cartas melhores para atrair outras siglas de centro — afirmou Murillo Aragão, da Arko Advice Pesquisas.
O patamar elevado de rejeição do pré-candidato do PSDB, que chega a 30% segundo o Datafolha — é superado apenas por Lula e Bolsonaro no quesito —, é um empecilho, segundo analistas, para atrair novos eleitores. Já Tebet, rejeitada por 12%, tem avançado em conversas pela convergência entre candidatos da terceira via, envolvendo partidos como União Brasil e o próprio PSDB.
A senadora emedebista vem recebendo acenos do grupo de Eduardo Leite (PSDB), que renunciou ao governo gaúcho de olho em se manter disponível para a candidatura presidencial. Com Moro na disputa, Leite e Tebet têm 1% de intenções de voto cada um, segundo o Datafolha. Doria chegava a 2%.
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