Com o impacto do aumento dos custos no campo, o preço médio do leite pago aos produtores bateu recorde no país em março, indicam dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
Segundo analistas, o efeito da alta não se esgota no estágio inicial da cadeia produtiva. O avanço também reduz margens de lucro na indústria e volta a pressionar o bolso dos consumidores nas cidades.
Em março, o preço do litro de leite pago aos produtores foi de R$ 2,2104 na média do Brasil, conforme o Cepea. Trata-se do maior valor para o mês na série histórica da instituição, iniciada em 2005, em termos reais -ou seja, com o desconto da inflação.
O preço é 4,1% superior ao registrado no mesmo período do ano passado. O valor pago é relativo ao leite captado no mês anterior -neste caso, fevereiro.
De acordo com o Cepea, o aumento não se traduz em ganhos elevados para os produtores. É que, segundo o centro de estudos, o avanço decorre principalmente da alta dos custos, que vem limitando investimentos na atividade e, consequentemente, o potencial de oferta.
De janeiro para fevereiro, o Índice de Captação Leiteira do Cepea refletiu esse cenário. Houve baixa de 0,63% na oferta do produto.
"A gente observa alta nos custos para produtores, indústria e consumidor. Ninguém está ganhando dinheiro com isso", afirma a pesquisadora do Cepea Natália Grigol, que acompanha o setor.
Os custos de produção de leite e derivados ganharam força na pandemia com a valorização de commodities como milho e soja, lembra a pesquisadora. Os grãos são usados como insumos para a alimentação animal.
Se não bastasse isso, o setor também foi afetado pelos reflexos do clima adverso nos últimos meses.
A região Sudeste teve episódios de chuva em excesso, enquanto o Sul passou a amargar período de seca. Os fenômenos extremos castigaram diferentes plantações, incluindo pastagens e milho.
"É uma pressão de custos em um contexto de consumo muito delicado", afirma Grigol, em referência ao fato de a inflação alta e a renda baixa desafiar o crescimento da demanda por lácteos no país.
Os gastos também ficaram maiores do lado de fora das propriedades rurais. Os custos com transporte de leite para a indústria, por exemplo, são impactados pela disparada dos combustíveis.
Nas fábricas, houve ainda pressões vindas da alta da energia elétrica e do avanço dos preços das embalagens.
"Uma série de fatores vem impactando. Os aumentos de soja, milho, petróleo e energia elétrica significam muito na produção de leite e derivados", diz Cláudio Meirelles, presidente da Cooperativa de Barra Mansa, no estado do Rio de Janeiro.
Segundo ele, indústrias do setor vêm operando a venda de leite com margens "no vermelho", em razão dos custos elevados.
"O consumidor está endividado. Ele não tem mais espaço para grandes aumentos", afirma Meirelles.
Preços finais voltam a subir O IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15) mostra que a inflação de leite e derivados até havia dado sinais de trégua para o brasileiro entre o final do ano passado e o início de 2022.
Após uma sequência de sete altas, houve três recuos consecutivos nos preços em novembro (-0,49%), dezembro (-1,55%) e janeiro (-0,52%).
Contudo, leite e derivados voltaram a subir nos últimos dois meses, de acordo com o índice, que é calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Houve altas de 1,51% em fevereiro e de 1,76% em março.
O leite longa vida foi o produto com o maior aumento no mês passado: 3,41%. Depois, aparecem manteiga (2,49%), leite fermentado (2,19%) e iogurte e bebidas lácteas (1,38%).
Em março, a inflação acumulada em 12 meses por leite e derivados voltou para a faixa dos dois dígitos, o que não ocorria desde agosto do ano passado. Na comparação com fevereiro, a alta acumulada pulou de 7,29% para 10,32%, aponta o IPCA-15.
Nos últimos 12 meses, os maiores avanços foram os de requeijão (18,2%), iogurte e bebidas lácteas (16,66%) e queijo (13,26%). Já o leite longa vida subiu 7,47% nesse recorte.
"O setor está com os custos muito pressionados", destaca o pesquisador Felippe Serigati, do centro de estudos FGV Agro.
Na visão dele, há incertezas sobre o comportamento dos preços para o consumidor nos próximos meses.
O analista lembra que o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, na reta final de fevereiro, gerou aumento nos preços de commodities no mercado internacional.
O avanço de mercadorias como o milho pode causar novos impactos sobre os custos de produção do leite, segundo Serigati. Por outro lado, o dólar vem dando sinais de trégua nas últimas semanas, o que pode amenizar as pressões.
Café com leite e pão com manteiga estão todos mais caros Além do leite, o café também ficou mais caro para o brasileiro, como mostrou a Folha de S.Paulo em fevereiro. Na visão de analistas, a carestia reflete o contexto de demanda global firme e oferta impactada pela seca e pelas geadas do ano passado no Brasil.
Em março, o café moído teve inflação de 2,86%, conforme o IPCA-15. Em 12 meses, o produto acumulou disparada de 62,36%.
E, além da manteiga, o pão também teve alta em seus preços, principalmente depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, dois dos principais produtores de trigo no mundo.
A guerra elevou os preços no mercado internacional, com reflexo no mercado brasileiro. No começo de março, a tonelada de trigo atingia R$ 1.722 no Paraná, valor que acumula alta 80% em dois anos.
Os preços do pãozinho e da farinha de trigo, que vinham recuando no final de 2021, voltaram a subir. Na segunda quadrissemana de fevereiro (últimos 30 dias até meados do mês), o pão francês teve reajuste de 1,2%, e a farinha, de 1,4%, percentuais bem acima dos de dezembro.
Essa retomada de preços da farinha de trigo e do pãozinho ocorreu após um aumento acumulado de 23% e de 19%, respectivamente, nos dois últimos anos por esses produtos, segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
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