Em reunião conjunta da comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanha a tragédia ocorrida em Mariana e da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) antecipou novos pontos da repactuação dos acordos de reparação do crime socioambiental.
A tragédia, ocorrida em 2015, deixou 19 mortos e espalhou lama com rejeitos de minério de ferro pelo Rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo.
A mediação do CNJ ocorre desde o ano passado como tentativa de suprir os seis anos de atraso nas ações socioambientais e econômicas que deveriam reparar parte dos impactos do rompimento da barragem do Fundão, das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton.
Novas rodadas de negociação ocorrem nesta semana com foco em meio ambiente e saúde da população. O conselheiro do CNJ Luiz Fernando Bandeira de Mello confirmou a previsão de concluir a repactuação até agosto e acredita no atendimento de uma das principais reivindicações dos movimentos sociais: a gestão dos recursos por parte dos próprios atingidos.
“A ideia é que todo recurso obtido seja direcionado para as populações atingidas. Uma parte será entregue através de transferência direta de renda, por meio de alguma espécie de cartão-cidadão ou bolsa, os detalhes ainda estão sendo desenhados”, explica Bandeira de Mello. Outra parte dos recursos será gerida pela União. “Particularmente no que se refere à reparação do meio ambiente, a União deve coordenar os esforços”, disse. Além disso, segundo ele, uma parte dos recursos serão gerenciados pelos estados (MG e ES) e outra parte os próprios atingidos devem decidir como investir “por meio de governança ou sistema próprio, que já vem sendo discutido agora”.
Relator da comissão externa da Câmara, o deputado Helder Salomão (PT-ES) ressaltou o papel do Parlamento nesse processo, sobretudo na garantia de participação efetiva dos atingidos pela tragédia na negociação em curso.
“Vamos cumprir o nosso papel constitucional de acompanhar, fiscalizar e fazer esse monitoramento junto com a sociedade e o poder público. Não podemos pensar em reparação que não tenha participação social. Nós precisamos que a reparação seja coletiva e que o auxílio financeiro seja continuado, com garantia de investimento nas regiões atingidas”, disse o deputado.
“Privatização” da reparação
Essa governança dos próprios atingidos está em curso nos acordos de reparação da tragédia de Brumadinho, que deixou mais de 270 mortos e grande impacto socioambiental ao longo da bacia do Rio Paraopeba, em 2019.
Trata-se de alternativa ao que os movimentos dos atingidos chamam de “privatização” da reparação, como no caso de Mariana, onde as ações fracassaram após serem delegadas à Fundação Renova, criada pelas mineradoras Vale, Samarco e BHP.
“Qualquer repactuação que se pretenda deve atender as pessoas buscando, no mínimo, restaurar o modo de vida e dando-lhes condições de se restabelecer economicamente. O acordo tem que ser bom, mas tem que ser legítimo. Possivelmente, estaremos construindo o maior acordo ambiental da história não só do Brasil, mas do mundo”, disse Bandeira de Mello.
Descaso
Defensora pública no Espírito Santo, Mariana Andrade Sobral afirmou que o atraso e o descaso da reparação no estado são ainda maiores do que os registrados em Minas Gerais. Segundo ela, dos 25 mil capixabas que pediram algum tipo de reparação, apenas 39% foram cadastrados e 31% foram efetivamente indenizados.
“Um dos maiores erros de todo esse processo foi o reconhecimento tardio de várias áreas do estado do Espírito Santo. Os danos no Rio Doce são geracionais e trazem impactos severos aos serviços públicos que, muitas vezes, já são ineficientes. A gente precisa que o dinheiro que venha de qualquer acordo seja levado diretamente para as necessidades das populações atingidas”, ressaltou.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) apontou queda de 72% na renda dos pescadores capixabas após o crime socioambiental de Mariana.
Os deputados da comissão externa da Câmara também participam de visitas à cidade de Conceição da Barra e à comunidade de São Mateus, em Linhares, duas das áreas que sofreram grande mudança no modo de vida da população às margens do Rio Doce, no Espírito Santo.
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