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Pandemia acelera mudança no mercado brasileiro, que abandona carros populares

Utilitários esportivos já abocanham 38,2% das vendas de 2022

29/03/2022 às 05h18
Por: Joselio de Sousa Reis Fonte: Estadão
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Foto: Felipe Rau/Estadão
Foto: Felipe Rau/Estadão

RIO - Enquanto a economia patina, o mercado de trabalho segue oferecendo salários piores e empregos precários, os desequilíbrios econômicos causados pela pandemia aceleraram uma mudança de “mix” no setor automotivo nacional. Os carros populares, que puxaram as vendas até o recorde de 2012, saíram de campo, abrindo espaço para os utilitários esportivos, ou SUVs. Um símbolo da nova configuração do mercado foi a decisão da Fiat e da Volkswagen de encerrar a produção do Uno e do Gol, respectivamente, históricos campeões de vendas.

 Segundo Cassio Pagliarini, sócio da Bright Consulting, a mudança começou com o comportamento do consumidor, especialmente daqueles de poder aquisitivo mais elevado, mas ganhou um forte impulso com a crise recente.

Dados da Bright Consulting mostram que, em 2012, 8% do total de automóveis vendidos eram SUVs. Em 2016, com o mercado já atingido pela recessão, a fatia das SUVs subiu para 15%. Nos anos de lenta recuperação, com os consumidores da antes pujante classe C mais retraídos, essa participação seguiu avançando gradualmente, até 22,4% em 2019. A crise de 2020 e 2021 levou a fatia das SUVs para 33,6% no ano passado, superando a participação (29,9%) dos “hatchbacks”, que incluem os carros mais baratos. Em janeiro e fevereiro deste ano, saltou para 38,2% do total de vendas.

 Se a crise dos últimos dois anos acelerou a mudança do “mix” de produtos do mercado automotivo nacional, com o crescimento da participação das SUVs no total das vendas, em detrimento dos “carros populares”, no segmento “premium”, nem mesmo as demoradas filas para entrega dos veículos afugentam compradores, segundo Renato Bello, presidente da Motor Group Brasil, rede de concessionárias dedicadas a carros de luxo.

 “Mesmo tendo aumento nos preços, vemos o mercado ‘premium’ com demanda ainda muito próxima ou até maior do que a oferta, levando à falta de veículos”, afirmou o empresário.

 De acordo com Bello, ainda que sejam comprados agora, os modelos mais exclusivos de marcas como BMW e Porsche estão com previsão de entrega para o fim do ano ou 2023. São carros cujo preço de tabela começa em torno de R$ 500 mil, comprados apenas pelos consumidores mais ricos. Embora seja um produto para poucos, Bello aposta num crescimento estrutural da demanda, por que o segmento “premium”, no Brasil, responde por apenas 3% das vendas totais, abaixo do verificado em mercados semelhantes ao brasileiro, como o México, cuja fatia está em 4,5%.

 Segundo o empresário, os travamentos de cadeias de produção afetam igualmente carros mais baratos e veículos de luxo, mas a crise causada pela covid-19 atingiu de formas diferentes os ricos e os mais pobres. Com empregos ameaçados e o rendimento em queda, os consumidores de classe média deixaram de lado o sonho de trocar de carro ou comprar o primeiro veículo. O salto nos preços torna o desejo ainda mais distante. Já os consumidores de alta renda são pouco afetados pela inflação, mas, com os atrasos nas linhas de produção, têm que esperar igualmente.

 Para Bello, as perspectivas de negócios seriam ainda melhores se o mercado como um todo estivesse em crescimento acelerado, mas o empresário não vê saída para a crise no curto prazo. A guerra na Ucrânia adiciona ainda mais incertezas. Segundo o empresário, o país do Leste Europeu é um importante polo fabricante de chicotes para motores, o que poderá levar a problemas no fornecimento da peça para as montadoras. Bello acredita que os problemas nas cadeias de produção seguirão por 2023 e poderão chegar a 2024.

 A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ainda pode estimular um aumento de demanda, impedindo uma reversão maior no ritmo de encarecimento dos produtos, com consumidores apressando a busca por aquisição de automóveis para aproveitar o desconto temporário, disse André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV).

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