A falta de informação sobre a fissura lábio palatina foi o maior desafio para a dona de casa Maria Eunice Pereira Fialho, de 48 anos. Matriarca de uma família que vive no município de Portel, no arquipélago do Marajó, ela viveu com o nascimento do filho mais novo o maior desafio da vida. “Lá, na minha cidade, ninguém me deu informação alguma. Eu tive o Alysson, mas eu não tive quem me dissesse como cuidar dele, o que eu precisava fazer, ninguém me indicou um especialista no assunto. Para mim, foi tudo uma novidade, era um problema desconhecido”, conta a mãe.
Alysson, hoje prestes a completar 15 anos, nasceu com fissura labial e fenda palatina, tipos de más-formações congênitas, que ocorrem ainda no desenvolvimento do embrião. Com o lábio superior dividido e o palato (popularmente chamado de “céu da boca”) aberto, tudo ficou ainda mais difícil com o passar dos anos e a pouca informação sobre o problema. “Era dificuldade para tudo, para amamentar, depois para comer, para falar. Para você ter uma ideia, ele nasceu com quatro quilos, mas foi perdendo peso por causa dessas dificuldades todas. Em uma das vezes em que procuramos o hospital, ele já era um bebê de um quilo, estava subnutrido”, lembra Maria Eunice.
A infância complicada teve reflexos ainda mais prejudiciais na adolescência do garoto. A vergonha e baixa autoestima foram estigmas que acompanharam Alysson por anos e dos quais luta para se livrar até os dias de hoje. “Ele tinha muita vergonha, era muito tímido na escola, evitava os amigos, a igreja, ele se escondia. Para ir a uma padaria, por exemplo, ele colocava máscara, para não mostrar o rosto”, afirma a mãe.
A esperança de dias melhores veio por meio de uma conversa com um amigo da família, que falou de uma instituição especializada no tratamento de fissura labiopalatina em Marabá, sudeste do Estado. Incentivada pelo marido e pelo sonho de dar mais independência e qualidade de vida ao filho Alysson, Maria Eunice enfrenta 12 horas de viagem de barco de Portel a Belém, onde embarca para um trajeto de mais 10 horas de ônibus pela PA-150 até Marabá. Em pouco mais de dois anos de tratamento, o garoto já passou por quatro cirurgias e incontáveis consultas clínicas, de diversas especialidades, tudo realizado pelo Instituto Sorriso Legal.
“Quando a gente ouvia falar em Marabá, só a distância já assustava a gente, né? É uma dificuldade muito grande a gente vir de Portel para cá. É longe e complicado para nós e isso me fazia acreditar que era impossível. Mas depois que começamos o tratamento, as consultas, o acompanhamento que ele tem aqui, todos os benefícios, isso encurta qualquer distância. Hoje em dia, eu vejo o quanto o meu filho mudou. Cada vinda a Marabá vale a pena. A gente vem feliz, porque foi uma transformação na vida da nossa família”, conta emocionada.
Instituição trata de pacientes com fissura labiopalatina com diversos profissionais
Assim como Maria Eunice, milhares de outras mães e pais procuram todos os anos a assistência oferecida pelo Instituto Sorriso Legal. Há 21 anos, a instituição trata de pacientes com fissura labiopalatina, com atendimento médico, odontológico, fonoaudiológico, nutricional, psicológico e de assistente social. “Quando eu cheguei aqui, eu ainda me questionava, se era possível mesmo que o instituto nos ajudasse. Mas aí eu vi tantas mães acompanhando seus filhos, meninos menores que o meu sendo acompanhadas desde a barriga, as fotos espalhadas pelo prédio mostrando a mudança depois das cirurgias... aí eu entendi que eu estava no lugar certo”, relata Maria Eunice. “Só quem tem um filho com fenda labial entende como esse é um problema difícil de se enfrentar. Eu sempre pedia para Deus colocar no meu caminho alguém capaz de ajudar meu filho, pedia para que Deus me permitisse ver o meu filho um homem formado e com autoestima elevada, sem vergonha de mostrar o rosto”.
A ideia de aprofundar o amparo aos pacientes de fissura labiopalatina e as famílias nasceu da vivência pessoal da pedagoga Ana Paula Cabral. Os seus primeiros contatos com as dificuldades impostas por essa má formação foram em casa. "Sou de uma família natural de Brejo Grande do Araguaia, que fica a cerca de 100 quilômetros de Marabá, e tenho uma irmã que sofria com isso. Na época, nós tivemos muitas dificuldades para tratar, mas conseguimos. Depois da nossa experiência, muitas outras famílias nos procuraram, pedindo ajuda para tratar dos seus filhos", lembra pedagoga. "Essa demanda foi aumentando mais a cada dia e surgiu a ideia de criar um instituto que trabalhasse por essas pessoas". A instituição, que inicialmente atuava apenas no município de origem, logo se viu obrigada a fixar sede em Marabá por questões de estrutura e pela logística que favorecia a proximidade com os maiores hospitais da região.
Só no ano de 2022, a direção do Instituto estima que tenham sido realizados cerca de 5.200 atendimentos, entre procedimentos cirúrgicos e ambulatoriais. “O número é grande porque somos uma instituição de portas abertas, nós atendemos a todos que nos procuram. Tem muitos pacientes aqui da região, mas também atendemos pessoas do Marajó, do nordeste paraense, de estados como Minas Gerais e Mato Grosso. Já fomos procurados até por gente da Espanha, da França, da Grécia, porque ficaram sabendo da nossa expertise no tratamento da fissura lábio palatal e da qualidade do trabalho desenvolvido aqui”, explica Ana Paula.
Com equipe capacitada, trabalho do Instituto Sorriso Legal se estende a pacientes de todas as idades
O trabalho do Instituto Sorriso Legal se estende a pacientes de todas as idades e tem estrutura e equipe capacitada para atender e orientar às famílias mesmo antes da criança nascer. Foi o que aconteceu quando a monitora Adriele Monteiro dos Santos, de 22 anos, descobriu que o filho Levi nasceria com o lábio fissurado. “Eu soube na 33ª semana de gestação, quando estava fazendo uma ultrassonografia. O médico me explicou o que era essa fissura e já me tranquilizou, explicou que tinha cirurgia e tratamento. Em uma consulta de pré-natal, o posto de saúde já me encaminhou para o instituto e, desde então, eu venho para as consultas, trago o Levi desde que era recém-nascido”, conta. “Os primeiros meses foram bem difíceis. O Levi tinha dificuldade demais para mamar. Com o palato aberto, ele engasgava muito com o leite”.
O Levi, hoje, é uma criança muito ativa, interage bem com outras crianças e tem desenvolvido cada vez mais a sua fala. Casos como o dele evidenciam ainda mais a necessidade de conversar sobre a fissura labiopalatina e como o diagnóstico e tratamento precoces podem ajudar no desenvolvimento da criança. E, no Instituto Sorriso Legal, todo o esquema de tratamento e acompanhamento é oferecido gratuitamente.
“A gente tem uma estimativa que dá uma noção do quanto é dispendioso o tratamento para um paciente de fissura labial e fenda palatina. Só os custos de procedimentos cirúrgicos podem chegar a R$ 26 mil cada. Um paciente faz uma média de três, quatro cirurgias corretoras. Fora isso, ainda tem o acompanhamento clínico, com nutricionista, dentista, psicólogo, aparelho ortodôntico... é um valor exorbitante para a maior parte das famílias, que passa facilmente dos R$ 100 mil”, avalia Ana Paula, completando que o Sorriso Legal se mantém em atividade graças ao apoio das prefeituras e câmaras municipais de Marabá e Canaã dos Carajás, onde também há um braço do Instituto. “Além disso, contamos com a parceria valiosa da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), que abre as portas do Hospital Regional do Sudeste do Pará para a realização de todas as cirurgias”.
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